sábado, 23 de abril de 2011

Questões de Vida ou Morte

Ao longo da minha (curta) vida, já tive várias vezes a infeliz oportunidade de ver alguém morto. Curiosamente (ou não), na situação em que isso mais me impressionou, o corpo no caixão era da pessoa que menos próxima me era. Um colega meu da primária que teria, por essa altura, uns quinze anos.


Uma coisa é tomar conhecimento da morte de alguém que viveu uma longa vida, tendo eventualmente acabado por ceder à Natureza. É algo estranho ver ali deitado, como que dormindo, mas para sempre, alguém que víamos todos os dias a mexer, a falar, a viver, a conviver; é triste, mas em geral compreensível. Bem diferente é, na mesma situação, ver alguém que conhecemos como criança irritante da nossa turma, que durante um curto período cresceu connosco, alguém que devia continuar a crescer em todos os sentidos, tal como nós, e no entanto nunca mais o fará. Foi simplesmente cortado da vida e não haverá mais nada para ele. Isto é estranho de uma forma diferente, da forma errada.


O que me atingiu naquele momento foi, ainda que inconscientemente, a fragilidade da vida, da vida de cada um como indivíduo. É algo que todos sabemos existir, porém raramente o sentimos. Ainda bem, suponho. Afinal, quão desgraçada seria a nossa vida se tivessemos esse facto sempre tão presente? Nunca sairiamos de casa e ainda assim continuariamos angustiados. A futilidade generalizada é uma defesa mental que nos premite levar uma vida "normal". Ainda assim...


Modéstia aparte, considero-me uma criatura complexa. Tenho uma vida mental bastante agitada (por mais que isto não se reflicta na minha vida "corporal"). Preocupo-me com problemas filosóficos metafísicos. Sou consciente da minha própria existência de forma suficientemente profunda para me preocupar com o incompreensível facto de que um dia deixarei de ser. E como se já não bastasse a certeza de que isso vai acontecer necessariamente daqui a uns sessenta anos (eh, optimista!), há ainda a possibilidade de acontecer muito antes, num momento arbitrário, quem sabe hoje mesmo, bastando para isso um encontro na estrada com algum tipo que tenha bebido uns copos a mais, ou que simplesmente se distaia por um segundo (ironia) a pensar na vida. Ou então algo muito mais simples e idiota (como se um acidente rodoviário não o fosse já o suficiente).


Consigo compreender, em vista disto, que se tenha inventado deus, pelo incompreensível que é o facto de tudo o que somos um dia deixar de ser. Seria tão mais confortável saber que somos eternos, que ainda que o corpo morra, a alma será para sempre. Infelizmente (para mim, claro) não acredito nisto. Como não abraço deus, estou condenada a angústia eterna (ah, ah!).



Aceito que, não só não viverei para sempre, como que a qualquer momento posso deixar de o fazer. Depois de acontecer, não me vou importar, anyway.



Pronto, agora posso virar as minhas angústias para a tese de mestrado. :P

domingo, 17 de abril de 2011

Xadrez e Riscas


Recentemente redescobri num jogo de vídeo uma frase, a cujo autor mor mim desconhecido tiro o chapéu, que resume na perfeição algo que ando há que tempos (como se pode ver pela data do último post) a querer abordar, mas sem saber bem como começar. E é ela:


"Once you accept the universe as matter expanding into nothing that is something, wearing stripes with plaid comes easy"


Porque razão temos tantas preocupações todos os dias? As tribulações do trabalho, o que vão pensar os outros, o que vamos vestir... para quê?

Todos e cada um de nós somos nada mais que gigantescos aglomerados de quarks e electrões que amanhã podem já estar a desagregar-se e a fazer-se ao caminho para outras paragens, e tudo o que nos traz angústia são coisas sem sentido. O nosso Universo pode ser uma membrana multidimensional paralela a infindas outras, iguais, parecidas, diferentes, e nós discutimos sobre que clube de futebol é o melhor. Somos os idiotas que vêm as sombras na parede da caverna e falam do que as vêem fazer sem querermos saber de onde elas vêem.

Por não querermos acreditar que as nossas preenchidas vidinhas são nada, tornamo-las ainda mais insignificantes. E tudo o que nos preocupa é não usar xadrez com riscas.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

"Os mortos nã bebem!" Nem sentem o fofinho...

Um morto, por definição, é alguém que já não existe. Ou então considera-se que “morto”

designa o corpo dessa pessoa, e nesse caso existe mas, como não pensa, não sente, não aje e, em geral,

não funciona, é como se não existisse.

Tendo isto em conta, acho natural perguntar-me o porquê de corpos sem vida serem mais bem tratados para irem para baixo dos torrões do que muitos vivos durante o dia-a-dia. Os referidos

aglomerados inanimados de matéria orgânica têm direito a:

  • leito em boa madeira, trabalhado, aplicado, acolchoado a cetim, em resumo, melhor que

    aqueles em que muitos vivos dormem (e certamente mais caro);

  • montes e montes de flores, em arranjos e coroas exuberantes de dezenas de euros, que dois dias depois estarão completamente murchas sem que o desgraçado que vai no caixão, a quem supostamente são oferecidas, as chegue a ver;

  • pedra túmular ou jazigo de mármore que também não é propriamente oferecido.

Não quero dizer que não se deva prestar uma homenagem a quem morre, mais que não seja para satisfação de quem perdeu uma pessoa querida. Porém quando penso na quantidade de pessoas que existem neste mundo sobrevivendo com recursos menos que escassos, todos estes gastos com alguém que não disfruta nem voltará a disfrutar desses ou de quaisquer outros bens terrenos me parecem despropositados. Já para não falar das árvores que morrem para encaixotar o morto.

Não bastaria um lençol branco e uma flor apanhada no campo? Haverá mesmo necessidade de tanta ostentação? Se se quer honrar muito uma pessoa amada não será melhor fazê-lo em vida da mesma, quando o pode ver e apreciar?

Pessoalmente não me importo de, quando for a minha vez de esticar o pernil, ser enterrada enrolada num lençol com uma estaca de pau marcar o local. Aliás, podem simplesmente mandar-me para uma estação de incineração juntamente com encéfalos bovinos, qual subproduto M1. Queixar-me não irei, com certeza!


sábado, 26 de junho de 2010

Ratinhos...

É um facto incontestável ser o Homem um animal diferente de todos os outros em termos de cosnciência e estrutura mental. É verdade que temos a capacidade de analisar e alterar o que nos rodeia de forma diferente da de qualquer outro. Discutível é se, pelo facto de podermos fazer tudo, temos o direito de fazer tudo.

Até que ponto a necessidade de conhecimento, mesmo que para boas causas, justifica o sacrifício de animais? É certo que existem normas éticas e princípios que têm que ser cumpridos (os queridos quatro Rs – reduction, replacement, refinement, responsability), mas até que ponto é que esse tipo de experimentações não transportam uma boa dose de inutilidade?

Digo isto porque, como estudante de Medicina Veterinária, já li um sem número de

referências a estudos com experimentação animal em que “em animais com a doença experimentalmente induzida obtivemos os resultados XYZ, porém o mesmo não parece acontecer nos casos de doença natural”. Então, para quê? Mais: se por vezes nem é possível extrapolar resultados experimentais entre animais da mesma espécie, o que dizer dos que

pretendem extrapolar inter-espécies (dos outros animais para o Homem)?

Outro ponto interessante é o facto de haver quem conteste vivamente a experimentação em primatas “superiores”, cães, e outros animais de uma forma ou de outra próximos de nós sem, porém, apontar o dedo a estudos utilizando ratos. Para aqueles que pensam no rato como uma praga que são capazes de matar à pisadela, eis algo novo para pensarem: lá por ser pequeno, um

rato continua a ser um mamífero, logo tem o tipo de sistema nervoso mais complexo na escala evolutiva, logo sofre tanto como um cão ou um chimpanzé. E esta, hein? Além disso, até que ponto é justo hierarquizarmos os animais segundo esse critério? Será mais lícito fazer experiências com peixes? E com moscas? Uma discussão que dá pano para mangas.

Ainda mais interessante: a igreja católica denunciou escandalosamente a inseminação artificial, a clonagem, o aborto, como atentados à obra de deus, mas não me lembro de nenhum comentário acerca de injectar cancros em animaizinhos no interesse da ciência... Hum... deve ter-lhes passado.

Pessoalmente, tenho a séria esperança de que um dia a experimentação animal vai ser considerada bárbara e ilegalizada, e todos os estudos serão retrospectivos ou feitos com base voluntários humanos (se é ao seu bem-estar que são dirigidos). Bem como as touradas... mas isso é assunto para próximo post.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Seres vivos não são brinquedos


Um dia chega o momento em que nos mudamos para a nossa própria casa, ou que os miúdos se andam a portar tão bem que é impossível negar-lhes o pedido, e decidimos arranjar um animal de estimação.
Nada a apontar. Um companheiro de pêlo, penas ou escamas é bom para a nossa saúde mental e sem dúvida óptimo para as crianças. Porém é uma decisão que não deveria ser tomada de ânimo leve, uma vez que há muitos pontos a considerar antes que seja tomada, pontos que muitas pessoas têm tendência a esquecer.
Um animal não é um brinquedo, é um ser do qual vamos ter que cuidar durante uma fracção considerável da nossa vida (mais de uma década se falarmos de um cão ou um gato, até setenta anos se se tratar de uma tartaruga), essa é uma questão de que devemos estar bem conscientes. Durante esse tempo temos, não só que o alimentar, como de lhe proporcionar todas as condições necessárias ao seu bem estar o que, no caso, por exempo, dos répteis, envolve a aquisição de uma panóplia de equipamento extremamente dispendioso e uma cuidadosa manutenção de habitat e alimentação. Não quer isto dizer que um pet mais comum, como um cão ou um gato, dispense semelhantes cuidados; também estes devem ter um espaço adequado a eles, quer em tamanho quer em qualidade também estes implicam despesas acrescidas com a alimentação, o veterinário, e inconvenientes, como o tempo dispendido em passeios diários, as dificuldades quando donos têm que viajar ou o facto de incomodarem os vizinhos.
Infelizmente, muito pouca gente se lembra de tudo isto quando decide adoptar um animal. Pensam apenas como ele é fofinho e como vai ser giro mandá-lo sentar ou jogar ao busca, e esquecem-se que ele vai ficar mais crescido e sem graça, que um dia pode precisar de cuidados médicos caros (especialmente se for um exemplar de uma das muitas magnificas raças criadas pelo homem que são tão bonitas por fora como deficientes por dentro), que no próximo Verão tem férias marcadas e não o pode levar, que os vizinhos não gostam de ouvir ladrar de noite.
Um cão é um ser vivo com sentimentos, não é um brinquedo que se deite fora quando se estraga ou já não é util, para arranjar outro. Antes de adoptar um animal é preciso informar-se de todos os cuidados que vai ou poderá vir a ter que ter com ele e pensar se tem na verdade disponibilidade a todos os níveis para lhe dar o que ele precisa. Se concluir que não, arranje um peluche. Não abana a cauda, mas pelo menos não se arrisca a morrer estupidamente porque o dono não quer gastar dinheiro com uma cirurgia.